CONTO DE UMA NOITE ERRANTE



Foi então que veio um deus frio.
Ele determinou, não haveria mais sábado,
não haveria domingo, não existiriam noivados,
nem chuvas finas, nem madrugadas.

As mulheres dormiriam com dragões entre as pernas;
os homens esconderiam seus uivos nas axilas.
Ele arrancou as ervas dos vasos,
ateou fogo nas novenas.
Soltou gafanhotos de gelo que roíam as vozes dos profetas.

Todos o chamaram de louco,
com aqueles músculos de roseiral se contorcendo
- belo e indecente -.

Orgulhoso, distribuiu angústias pelas escadarias.
Quaresma seria o nome de seu cavalo
de quarenta cores,
esvoaços de nódoas brisavam de suas narinas.

As incanduras de suas unhas acirravam a desordem,
sufocavam as rugas das folhas.
Ele mastigava os espinhos e os faróis.

Na alma das águas, fisgava semblantes doentes,
enfileirava na agulha, as gotas de suas cabeleiras,
fazendo um colar muito triste.

Era um deus frio, incandescente,
um agiota retesando o telurismo
- isso é dádiva -
cantava de cima das mágoas.

Um deus a cortar as asas dos relâmpagos.
Com hálito de cinema, com vírgulas entre as línguas.
Irado, enfrentava a fúria das vidraças, o cansaço das sombras,
ascendia às estrelas os peixes eleitos aos rios da loucura.

És o devasso,
o deus frio,
o infrutífero,
a rainha de oito braços,
a mariposa-enigma.

Cálidos, teus dentes mordem a ruína da tarde,
[segues teu introdestino e constróis os ferrões de teu traidor]
de onde receberás o veneno
azul-paredes, o caos amarelo-ilusão.

Os que perambulam nos olhos da noite,
são feitos à tua semelhança e solidão.

Edmir Carvalho Bezerra
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